Poucas coisas representam tão bem o perigo do amor próprio desordenado quanto um espelho. Os cômodos de nossas casas sempre têm algum e as nossas ruas estão todas repletas deles – e não há quem passe em frente a uma vitrine sem admirar um pouco a si mesmo. Nas academias – não as de ciências, mas as de ginástica –, onde reina a exaltação do próprio ego, os espelhos são indispensáveis: praticamente nenhum canto foge ao alcance de suas vistas. Em uma sociedade em que praticamente todos se olham tanto e com tanta frequência, no entanto, nunca o conhecimento de si mesmo foi tão desprezado e negligenciado. É que as pessoas estão excessivamente preocupadas com a "imagem" que os outros têm de si, mais que com aquilo que realmente são. O que pode servir para a própria edificação também se pode tornar, todavia, um grande instrumento de vaidade. Por isso, o padre António Vieira, em seu Sermão sobre o Demônio Mudo, compara o espelho ao próprio diabo: "Desde sua mesma origem não há duas coisas que Deus criasse mais parecidas e semelhantes que o demônio e o espelho. O demônio primeiro foi anjo, e depois demônio; o espelho primeiro foi instrumento do conhecimento próprio, e depois do amor-próprio, que é a raiz de todos os vícios". O orador sacro conta que o Papa Inocêncio X escolheu um religioso de grande virtude e prudência para visitar os conventos femininos, a fim de examinar e tirar de suas celas – não pelo uso da força, mas por meio de conselhos e exortações – coisas que fossem indignas ou inapropriadas a uma religiosa. Tendo inspecionado tudo com muito zelo, o visitador voltou, depois de alguns meses, dizendo ao Santo Padre que "vinha muito edificado do que achara, mas não de todo contente". De fato, em sua averiguação, o religioso tinha encontrado muitas penitências, disciplinas, orações e devoções. Algumas alfaias ou peças de maior valor – cuja posse não era permitida pelo voto de pobreza que tinham feito – ele conseguira fazer que elas abandonassem ou usassem para outros fins. Uma coisa, no entanto, ele não conseguira tirar dessas religiosas: o seu espelho. Diante da surpresa do Papa com a sua resposta, o piedoso homem explicou: "Tenho alcançado por larga experiência, que enquanto uma religiosa se quer ver ao espelho, não tem acabado de entregar todo o coração ao Esposo do céu, e ainda lhe ficam nele alguns ressábios do amor e vaidade do mundo". Embora as palavras do religioso se refiram mais claramente às pessoas de vida consagrada, o seu sentido profundo pode – e deve – ser aproveitado por todos os cristãos, seja qual for o seu estado de vida. Para seguir a Cristo, não é preciso que ninguém destrua os espelhos que possui – assim como não é preciso, literalmente, que se mutile o próprio olho ou a própria mão (cf. Mt 5, 29-30). Todos, no entanto, estão incluídos na exortação de Nosso Senhor: "Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo (...) e siga-me" (Lc 9, 23). Renuncie a si mesmo, ensina Nosso Senhor. O que prefere a vaidade humana, ao contrário? Como renuncia a si mesmo o que não suporta estar nem duas horas sem se ver no espelho? Ou outros tantos, que "gastam as horas e perdem os dias inteiros em se estar vendo, revendo e contemplando no espelho", como se não tivessem nem esperassem outra glória? Ou quem se preocupa mais em se enfeitar e embelezar aos olhos do mundo – mas esquece de ornar a alma para Deus, a quem não importa a aparência, mas o coração (cf. 1 Sm 16, 7)? adaptado da fonte: padrepauloricardo.org
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