Do que Jesus é para nós. concluímos que não nos pertencemos, como diz o apóstolo (1 Cor 6,19), e sim a Ele, inteiramente, como seus membros e seus escravos, comprados que fomos por um preço infinitamente caro, o preço de seu sangue. Antes do batismo o demônio nos possuía como escravos, e o batismo nos transformou em escravos de Jesus Cristo e só devemos viver, trabalhar e morrer para produzir frutos para o homem-Deus (Rm 7,4), glorificá-lo em nosso corpo e fazê-lo reinar em nossa alma, pois somos sua conquista, seu povo adquirido, sua herança. Pelo mesmo motivo o Espírito Santo nos compara, conforme Sl 1,3; Jo15,1; 10,11; Mt 13,3,8: 1º - a árvores plantadas ao longo das águas da graça, nos campos da igreja, árvores que devam dar seus frutos no tempo adequado; 2º - aos galhos de uma videira de que Jesus Cristo é o tronco, e que devem produzir boas uvas; 3º - a um rebanho cujo pastor é Jesus, e esse rebanho deve multiplicar-se e dar leite; 4º - a uma boa terra de que Deus é o lavrador, e na qual a semente se multiplica, rendendo trinta, sessenta, cem vezes mais. Jesus amaldiçoou a figueira estéril (Mt 21,19) e declarou condenado o servo inútil que não fizera valer o seu talento (Mt 25,24-30). Tudo isso nos prova que Jesus Cristo quer receber alguns frutos de nossas mesquinhas pessoas: quer receber nossas boas obras, porque as boas obras lhe pertencem exclusivamente: Criados em Jesus Cristo para boas ações (Ef 2,10). Essas palavras do Espírito Santo mostram que Jesus Cristo é o único fim de todas as nossas boas obras, e que devemos servi-lo não somente como servidores assalariados, mas como escravos de amor. Explico-me. Há duas maneiras, aqui na terra, de alguém pertencer a outrem e de depender de sua autoridade. São a simples servidão e a escravidão, donde a diferença que estabelecemos entre servo e escravo. Pela servidão, comum entre os cristãos, um homem se põe a serviço de outro por um certo tempo, recebendo determinada quantia ou recompensa. Pela escravidão, um homem depende inteiramente de outro durante toda a vida, e deve servir a seu senhor, sem esperar salário nem recompensa alguma, como um dos animais sobre que o dono tem direito de vida e morte. Há três espécies de escravidão: por natureza, por constrangimento e por livre vontade. Por natureza, todas as criaturas são escravas de Deus (Sl 23,1). Os demônios e os réprobos são escravos por constrangimento; e os justos e os santos o são por livre e espontânea vontade. A escravidão voluntária é a mais perfeita, a mais gloriosa aos olhos de Deus, que olha o coração (1 Rs 16,7), que pede o coração (Pr 23,26) e que é chamado o Deus do coração (Sl 72,26) ou da vontade amorosa, porque, por esta escravidão, escolhe-se, sobre todas as coisas, a Deus e seu serviço, ainda quando não o obriga a natureza. A diferença entre um servo e um escravo é total: Um servo não dá a seu patrão tudo o que é, tudo o que possui ou pode adquirir por outrem ou por si mesmo; mas um escravo se dá integralmente a seu senhor, com tudo o que possui ou possa adquirir, sem nenhuma exceção. O servo exige salário pelos serviços que presta a seu patrão, o escravo, porém, nada pode exigir, seja qual for a assiduidade, a habilidade, a força que empregue no trabalho. O servo pode deixar o patrão quando quiser, ou ao menos quando expirar o tempo de serviço, mas o escravo não tem esse direito. O patrão não tem sobre o servo direito algum de vida e morte, de modo que, se o matasse como mata um de seus animais de carga cometeria um homicídio; mas, pelas leis, o senhor tem sobre o escravo o poder de vida e morte de modo que pode vendê-lo a quem o quiser, ou matá-lo, como, sem comparação, o faria a seu cavalo. O servo, enfim, só por algum tempo fica a serviço de um patrão, enquanto o escravo o é para sempre. Só a escravidão, entre os homens, põe uma pessoa na posse e dependência completa de outra. Nada há, do mesmo modo, que mais absolutamente nos faça pertencer a Jesus Cristo e a sua Mãe Santíssima do que a escravidão voluntária, conforme o exemplo do próprio Jesus Cristo, que, por nosso amor, tomou a forma de escravo (Fl 2,7), e da Santíssima Virgem, que se declarou a escrava do Senhor (Lc 1,38). O apóstolo honra-se várias vezes em suas epístolas com o título de servi Christi. A sagrada escritura chama muitas vezes os cristãos de servi Christi, e esta palavra servus, conforme a observação acertada de um grande chamado Henri-Marie Boudon, significava, outrora, apenas escravo, pois não existiam servos como os de hoje, e os ricos só eram servidos por escravos ou libertos. É para que não haja a menor dúvida de que somos escravos de Jesus Cristo, o Concílio de Trento usa a expressão inequívoca mancipia Christi, e no-la aplica: escravos de Jesus Cristo. Isto posto: Digo que devemos pertencer a Jesus Cristo e servi-lo, não só como servos mercenários, mas como escravos amorosos, que, por efeito de um grande amor, se dedicam a servi-lo como escravos, pela honra exclusiva de lhe pertencer. Antes do batismo, éramos escravos do demônio; o batismo nos fez escravo de Jesus Cristo. Importa, pois, que os cristãos sejam escravos ou do demônio ou de Jesus Cristo. O que digo absolutamente de Jesus Cristo, digo-o também da Virgem Maria, pois Jesus Cristo, escolhendo-a para sua companheira inseparável na vida, na morte, na glória, em seu poder no céu e na terra, deu-lhe pela graça, relativamente à sua majestade, os mesmo direitos e privilégios que Ele possui por natureza. Tudo que convém a Deus pela natureza, convém a Maria pela graça, dizem os santos. Assim, conforme este ensinamento, pois que ambos tem a mesma vontade e o mesmo poder, tem também os mesmos súditos, servos e escravos nos comenta São João Damasceno e atentemos caros leitores ao detalhe: relativamente. Podemos, portanto seguindo a opinião dos santos e de muitos doutos, dizer-nos e fazer-nos escravos da Santíssima Virgem, para deste modo nos tornarmos mais perfeitamente escravos de Jesus Cristo nos recorda Santo Ildefonso. A Santíssima Virgem é o meio de que Nosso Senhor se serviu para vir a nós e é o meio de que nos devemos servir para ir a Ele, nos exortam Santo Agostinho e São Boaventura. Bem diferente é ela das outras criaturas, as quais, se a elas nos apegarmos, poderão antes nos afastar que nos aproximar de Deus. A mais forte inclinação de Maria é nos unir a Jesus Cristo, seu divino Filho; e a mais forte inclinação do Filho é que vamos a Ele por meio de sua Mãe Santíssima. E isto é para Ele tanta honra e prazer, como seria para um rei honra e prazer, se alguém, para tornar-se mais perfeitamente seu escravo, se fizesse escravo da rainha. Eis por que os Santos Padres, e São Boaventura com eles, dizem que a Santíssima Virgem é o caminho para chegar a Nosso Senhor. fonte: trecho retirado do livro Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem - São Luís Maria Grignion de Monfort por Jefferson Roger
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