quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

"Fazei Penitência..."

Após Jesus ser tentado no deserto, deu início a sua vida de pregação. E podemos acompanhar no Evangelho de Mateus 4,17 - que a primeira coisa que Nosso Senhor pregou foi: "Fazei penitência porque o Reino dos Céus está próximo". Vindo do mestre nem precisamos nos perguntar se é preciso fazer não é mesmo. Ou então nos perguntarmos se podemos deixar de lado. De Deus não se zomba, diz a carta aos Gálatas. Se Jesus disse para fazermos penitência, façamos penitência. Ele é a verdade, o verbo que se fez carne. A penitência acontecerá em nossa vida, de forma meritória ou impetratória, é uma realidade que vem dos céus. Não negligenciemos os ensinamentos que nos salvam.

Na bíblia os ensinamentos sobre a penitência aparecem 24 vezes no antigo e no novo testamento. É algo presente em toda a história cristã e que aqui, agora iremos aprofundar um pouquinho mais; sigamos:

Se há um conceito radicalmente oposto à mentalidade moderna é o da penitência. O termo e a noção de penitência evocam a ideia de um sofrimento que infligimos a nós mesmos para expiar os nossos pecados ou os de outras pessoas e nos unirmos aos méritos da Paixão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo. O mundo moderno rejeita o conceito de penitência por estar imerso no hedonismo (busca do prazer acima de tudo) e professar o relativismo (a verdade de cada um), que é a negação de qualquer bem pelo qual vale a pena sacrificar-se, exceto a busca do prazer.

Só isso pode explicar episódios como o furibundo ataque midiático em curso contra os Franciscanos da Imaculada, cujos mosteiros são descritos como locais de tortura, só porque neles se pratica uma vida de austeridade e penitência. Usar o cilício é considerado uma barbárie, enquanto praticar o sadomasoquismo ou tatuar indelevelmente o próprio corpo é considerado hoje um direito inalienável da pessoa. Com toda a força de que os meios de comunicação são capazes, os inimigos da Igreja repetem as acusações anticlericais de sempre. O que é novo é a atitude das autoridades eclesiásticas, que em vez de defender as freiras difamadas, as abandonam ao carrasco midiático com secreto comprazimento. Fruto da incompatibilidade entre as regras tradicionais que essas religiosas estão decididas a observar e os novos padrões impostos pelo “catolicismo adulto”.

Mesmo que o espírito de penitência tenha pertencido desde o início à Igreja Católica. Como o recordam as figuras de São João Batista e de Santa Maria Madalena — qualquer incitamento às práticas ascéticas antigas é considerado hoje intolerável até por muitos eclesiásticos. No entanto, não há doutrina mais razoável do que aquela que fundamenta a necessidade de mortificação da carne. Se o corpo está em revolta contra o espírito (Gl. 5, 16-25), não é razoável e prudente reprimi-lo? Nenhum homem está livre do pecado, nem mesmo os “cristãos adultos”. Não age portanto segundo um princípio lógico e salutar quem expia seus pecados mediante a penitência? As penitências mortificam o “eu”, dobram a natureza rebelde, reparam e expiam os próprios pecados e os dos outros.

Se, pois, considerarmos as almas que amam a Deus, que buscam a semelhança com o Crucificado, então a penitência se torna uma exigência do amor. São famosas páginas de De Laude flagellorum de São Pedro Damião, o grande reformador do século XI, cujo mosteiro de Fonte Avellana se caracterizava por uma extrema austeridade nas regras. Escrevia ele: “Quero sofrer o martírio por Cristo, mas não tenho ocasião; submetendo-me às flagelações, pelo menos manifesto a vontade de minha alma ardente” (Epístola VI, 27, 416 c.). Toda reforma na história da Igreja foi feita com a intenção de reparar os males do tempo por meio da austeridade e da penitência. Nos séculos XVI e XVII, os Mínimos de São Francisco de Paula praticavam (e o fizeram até 1975) um voto de via quaresmal que lhes impõe a abstenção perpétua não só de carne, mas de ovos, de leite e de todos os seus derivados. Os Recoletos consomem a própria refeição no chão, misturam cinza nos alimentos, prosternam-se diante da porta do refeitório sob os pés dos religiosos que entram.

Os Irmãos hospitalares de São João de Deus estabelecem na sua constituição “comer no chão, oscular os pés dos irmãos, sofrer repreensões públicas e acusar-se publicamente”. Análogas são as regras dos Barnabitas, dos Escolápios, do Oratório de São Filipe Neri, dos Teatinos. Não há instituto religioso, como documenta Lukas Holste, que não inclua em sua constituição a prática do capítulo de culpas, a disciplina várias vezes por semana. Os jejuns, a diminuição das horas de sono e de repouso (Codex regularum monasticarum et canonicarum, (1759) Akademische Druck und Verlaganstalt, Graz 1958). A essas penitências “de regra” os religiosos mais fervorosos juntavam as chamadas penitências “superrogatórias”, deixadas a critério de cada um. Santo Alberto de Jerusalém, por exemplo, na Regra escrita para os Carmelitas e confirmada pelo Papa Honório III em 1226, depois de descrever o gênero de vida da Ordem e as respectivas penitências a praticar; conclui: “Se alguém no entanto quiser dar mais, o próprio Senhor em seu retorno o recompensará”.

Bento XIV, que era um Papa meigo e equilibrado, confiou a preparação do Jubileu de 1750 a dois grandes penitentes, São Leonardo de Porto Maurício e São Paulo da Cruz. Frei Diego de Florença deixou um diário da missão realizada por São Leonardo de Porto Maurício na Praça Navona, em Roma, de 13 a 25 julho 1759. Com uma pesada corrente em volta do pescoço e uma coroa de espinhos na cabeça, o santo se flagelava diante da multidão, gritando: “Ou penitência ou inferno” (São Leonardo de Porto Maurício, Obras Completas. Diário de Frei Diego, Veneza, 1868, vol. V, p. 249). São Paulo da Cruz terminava sua pregação infligindo-se golpes tão violentos, que com frequência algum fiel não resistia mais ao espetáculo e saltava no palco, com o risco de ser atingido.
A penitência foi praticada ininterruptamente durante dois mil anos pelos santos, canonizados ou não, que com suas vidas têm ajudado a escrever a história da Igreja. Por exemplo, Santa Teresinha do Menino Jesus, que escreveu o Credo com o seu sangue, no final do livrinho dos Santos Evangelhos que trazia sempre sobre o coração. Contudo, essa generosidade não caracteriza somente as monjas contemplativas.

No século XX, dois santos diplomatas iluminaram a Cúria Romana: o cardeal Merry del Val (1865-1930), Secretário de Estado de São Pio X, e o Servo de Deus Mons. José Canovai (1904-1942). Representante da Santa Sé na Argentina e no Chile. O primeiro usava sob a púrpura cardinalícia uma camisa de crina trançada com pequenos ganchos de ferro. Do segundo, autor de uma oração escrita com sangue, o cardeal Siri escreve:

“As correntes, os cilícios, as flagelações horríveis com lâminas de barbear, as feridas, as cicatrizes aumentadas pelas sucessivas lesões, não são o ponto de partida, mas de chegada de um fogo interior; não a causa, mas a eloquente e reveladora explosão desse fogo. Tratava-se da clareza com a qual ele via em si e em cada coisa um meio para amar a Deus, e com a qual, no lancinante sacrifício do sangue, via garantida a sinceridade das demais renúncias interiores” (Memorial para a Positio de beatificação de 23 de Março 1951).
Foi nos anos cinquenta do século XX que as práticas espirituais e ascéticas da Igreja começaram a declinar. O padre João Batista Janssens, Geral da Companhia de Jesus (1946-1964), interveio mais de uma vez para chamar os próprios irmãos a retornar ao espírito de Santo Inácio. Em 1952 ele lhes enviou uma carta sobre a “mortificação contínua”, na qual se opunha às posições da nouvelle théologie, tendentes a excluir as penitências reparadoras e impetratórias. E escrevia que jejuns, flagelação, cilícios e outros rigores deviam permanecer escondidos dos homens, segundo a norma de Cristo (Mt. 6, 16-18). Mas deviam ser ensinados e inculcados nos jovens jesuítas até o segundo noviciado, chamado de terceiro ano de aprovação (Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. VII, col. 472).

Ao longo dos séculos, as formas de penitência podem mudar, mas não o espírito, que é sempre oposto ao do mundo. Prevendo a apostasia espiritual do século XX, Nossa Senhora em pessoa recordou em Fátima a necessidade da penitência. Penitência não é senão a recusa das falácias do mundo, a luta contra os poderes das trevas, que disputam com as forças angélicas o domínio das almas, e a mortificação contínua da sensualidade e do orgulho, enraizados no mais profundo do nosso ser.

Somente aceitando essa luta contra o mundo, o demônio e a carne (Ef. 6, 10-12), podemos compreender o significado da visão cujo centésimo aniversário celebraremos dentro de um ano.

Os pastorinhos de Fátima viram “ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo na mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo;

Mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência!”


fonte: Jefferson Roger e aascj

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