Saiu a passear, sem destino e sem rumo, iria passear, apenas isso. Feriado talvez, não se sabe, mas isso não importava, importava que iria passear. E assim começou, a moça surda e muda, com alguns dedos faltando, roupa simples e chinelo de dedo andava feliz da vida em seu passeio. Tilintava seus pequenos passos como se cantarolasse apenas músicas preferidas que nunca ouvira.
Mas adiante, deparou-se com um grupo de outras moças, estas belas e bem vestidas que também brincavam em meio ao bosque. As moças debocharam de suas vestes e a ignoraram por causa de seus defeitos. Entristecida compreendeu as más atitudes e as perdoou de coração, pois ainda assim, passeava.
A cena descrita foi presenciada por um passarinho que por ali passava numa espécie do que podemos rotular como um voo rasante. Talvez procurasse alimento para seus filhotes, quem sabe. Mais adiante ela cruzou com dois meninos que brincavam entre si. Também a menosprezaram com tamanha grandeza que aquilo lhe torcia o coração. Porém, o que ela fez? Perdoou de coração e sob agressões físicas, pois os malvados a apedrejaram-na.
Como testemunha da cena um vira-lata que passava por ali muito faminto e cansado seguiu adiante. Depois de ter andado muito avistou um mulher que tirava água de um pequeno riacho. E o desprezo da mulher pela menina foi tanto que se encheu de tristeza, mas perdoou-a. Depois de certo tempo e tudo o que tinha acontecido chegara a hora de dar meia volta e retornar para casa.
Ao chegar ao ponto do riacho, onde estava a mulher, esta estava presa em meio a correnteza, seu balde tinha escapado para dentro do rio e ela tentando resgata-lo machucou-se e ficou com os pés presos no leito do rio. Ao ver a pobre menina, fingiu não ter percebido sua presença. A menina, apesar disso, não pestanejou, correu para a margem do rio, lançou mão de um cipó à beira da margem e o jogou para a mulher. Com muito esforço conseguiu resgata-la e a mulher sem entender aquilo perguntou:
- Por que, jovem menina, abandonou seu passeio para me salvar, eu que a ti desprezei?
A menina sorriu, pegou nas mãos da mulher e a abraçou, e gesticulando quis dizer que poderia ser ela mesma a estar ali. Então a mulher ao entender chorou muito, um choro de rancor e orgulho que saía do peito e purificava sua alma. Depois disso seguiram viagem juntas. Logo à frente depararam-se com o vira-lata, com a pata machucada e muito fraco; tinha sido apedrejado com certeza.
Nesse ponto a mulher e a menina confortaram o cachorro a beira do carreiro, deram-lhe água do balde da mulher, que havia sido resgatado e limparam seus ferimentos. O cachorro olhou firmemente para as duas como se quisesse dizer obrigado, mas cachorro não fala, porém, demonstra e bastou para que elas entendessem. Continuaram a viagem, a mulher, a menina e o cachorro, carregado pela mulher e o balde pela menina, ainda com água.
Em certo ponto da viagem, depararam-se com os meninos, um caído e o outro ao seu lado chorando sem saber o que fazer.
Souberam deles que um carro bateu de raspão no menino e fugiu abandonando a cena do acidente. O desespero do menino o levou ao pranto. O cachorro se pôs a lamber o menino e a latir para ele como quem quisesse acalma-lo e anima-lo. Os meninos ficaram comovidos e estranharam o fato do cachorro, que havia sido apedrejado minutos atrás, pudesse estar ali a conforta-los. Esta comoção resultou em lágrimas e trouxe aos seus corações um arrependimento pelo que tinham feito ao pobre animal. Curativos feitos, tudo pronto, seguiram viagem os meninos e as mulheres com o cachorro.
Logo adiante o grupo de moças que debocharam da menina nada podiam fazer, pois elas estavam todas imersas em um atoleiro, uma espécie de areia movediça. Todas agarravam-se aos galhos em meio a armadilha, debatiam-se e agonizavam. Para a barbárie dos humildes, as moças vendo o grupo que acabara de chegar, gritaram para que eles fossem pedir ajuda.
Vejam só, ainda na situação que estavam, negavam-se a pedir ajuda a menina e seu grupo. Pois bem, menina, mulher e cachorro trataram de providenciar meios para retirar as moças do atoleiro e depois de algum tempo, conseguiram. Envergonhadas sem exceção, perguntaram para a menina o porquê de tudo. Ela, no entanto, preocupou-se em limpar as moças e verificar os machucados. Então se puseram a chorar muito esvaziando seus corações de todos os sentimentos ruins o que se revelou um grande alívio.
Por fim, todos seguiram viagem, e todos queriam acompanhar a menina até a sua casa. Ao chegarem lá, a mãe dela aguardava na porta, com um ar de quem já sabia do acontecido. Coincidência ou não, a mãe da menina estava com o passarinho, aquele que tinha avistado as moças na floresta. Cumprimentaram a mãe da menina e deram os parabéns pela filha que recebera de Deus. Perguntaram para ela como tanta boa educação passou para a filha sendo cega?
A mãe respondeu: o que eu ensino não se enxerga com os olhos, não se escuta com os ouvidos, não se toca de maneira nenhuma, pois vejam minha filha, não tem todos os dedos e pode pegar, não fala mas pode se expressar e não ouve e ainda assim pôde ouvir seus apelos e pôde enxergar as suas necessidades. Ela que saiu a passear voltou feliz do passeio e com novos amigos. Por isso batizei minha filha com o nome de AMIZADE, e isto lhe cai bem e me enche de felicidade. Ela é muito bela além do que posso ver... ela é a amizade.
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Fonte – Jefferson Roger
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