sábado, 21 de março de 2020

Por que dos sofrimentos?

No evangelho de João ouvimos: Mestre quem pecou para que ele nascesse cego? Ele ou seus pais? Jesus responde que ninguém porque isso é para a manifestação da glória de Deus. Ademais, a mesma pergunta é o que nos inquieta hoje, vendo o mundo sendo flagelado por uma nova peste, e o mesmo mistério, para deste flagelo fazermos cicatrizes, é o que queremos desvelar até onde alcança a inteligência, seguindo para isso os ensinamentos de São Tomás de Aquino que escreve o seguinte:

1.ª Às vezes, permite Deus que haja sofrimentos para manifestar a sua glória. É o que fez com o cego de nascença, que padeceu por anos dessa privação para que, uma vez curado, gerações inteiras dali para frente se curassem da cegueira da incredulidade. “Isso serve para que as obras de Deus” (isto é, os milagres físicos, signos dos mistérios da graça) “se manifestem nele”. Do sofrimento, portanto, pode Deus tomar ocasião para obrar milagrosamente, em favor tanto do que sofre quanto dos que hão de tirar proveito do milagre, crendo e convertendo-se.

2.ª Às vezes, permite Deus que haja sofrimentos para exercitar-nos na virtude, como diz S. Paulo: “É na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (2Cor 12, 9), e S. Tiago: “É preciso que a paciência efetue a sua obra” (Tg 1, 4). Com a dor, prova Deus a quem sofre pela paciência, pela resignação, pelo silêncio, pelo abandono, pela esperança. Mas prova também a quem não sofre fazendo ver sofrer a quem ama, convidando à generosidade, dando ocasião às obras de misericórdia, impondo a necessidade da ascese. Do sofrimento, portanto, pode Deus tirar partido para dele sairmos os santos que sem ele talvez não seriamos.

3.ª Às vezes, permite Deus que haja sofrimentos para prevenir pecados futuros, como de si mesmo reconhecia o Apóstolo: “Para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da vaidade” (2Cor 12, 7). Há dores, com efeito, que são necessárias à cura, há perdas que afiançam melhores ganhos e há sofrimentos, se bem sofridos, que preservam de outros maiores. Deus a todo instante vela sobre nós, e tem sempre a postos o anjo da dor, preparado para nos espezinhar a carne se for isto necessário ao nosso bem. Do sofrimento, portanto, pode Deus fazer um instrumento para que, prostrados agora, não nos despenhemos mais tarde.

4.ª Às vezes, permite Deus que haja sofrimentos para emenda de pecados passados. De fato, todos temos a Deus muito ofendido pela nossa desobediência, e nada é mais justo do que reparar, com o nosso sofrimento, a ordem da divina justiça e purificar, com a penitência em que o devemos transformar, a nossa vontade, tão apegada às criaturas, embora chamada a possuir aquele bem infinito que só em Deus se pode encontrar. Do sofrimento, portanto, quer Deus se servir para reparar todas as vezes que deixamos de O servir a Ele, fazendo-nos servos do nosso egoísmo.

5.ª Às vezes, porém, permite Deus que haja sofrimentos em sinal da condenação futura, segundo aquilo de Jeremias: “Esmagai-os com dupla desgraça” (Jer 17, 18). Do mesmo mal com que procura o bem de seus predestinados, pode Deus já neste tempo começar a retribuição eterna dos precitos, como vemos no caso de Herodes Agripa. Permitiu o Senhor que morresse às mãos do tirano o Apóstolo Tiago, e por este e outros crimes começou já nesta vida a anunciar o inferno que esperava o impenitente terarca: “No mesmo ins­tante, o anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado honra a Deus. E, roído de vermes, expirou” (At 12, 23).

Destas cinco razões nem a última nos deve desesperar, porque para muitos ainda é tempo de converter-se, nem a primeira nos deve dar falsas esperanças, porque Deus, se pode com um milagre acabar com a peste, pode com não menor providência preservá-la para bens maiores do que tamanho mal. É por isso que, destas cinco razões, as que mais nos importam são as outras três. Num extremo de amor, quis Deus que se abatesse sobre nós essa pandemia, e a resposta mais cristã, e por isso a mais sensata que lhe podemos dar é: pôr todo o nosso empenho no exercício das virtudes, encarar com seriedade os riscos da doença e viver com espírito de mortificação estes tempos, aproveitando todos os sofrimentos, pequenos e grandes, que Deus nos enviar, para assim purificarmos nossa alma, pagarmos nossa pena temporal, aumentarmos nossa glória no céu e, unidos ao sacrifício redentor de Cristo, expiarmos os pecados dos que não creem, não adoram, não esperam e não O amam: “Meu Deus, é por vosso amor!”


Fonte: adaptado de padrepauloricardo.org

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