segunda-feira, 22 de junho de 2020

A miséria humana



Miserável serás, onde quer que estejas e onde quer que te voltes, se não te voltares para Deus. Por que te afliges, quando não te correm as coisas a teu gosto e vontade? Quem é que tem tudo à medida de teu desejo? Nem eu, nem tu, nem homem algum sobre a terra. Ninguém há no mundo sem nenhuma tribulação ou angústia, quer seja rei quer papa. Quem é que vive mais feliz? Aquele, de certo, que sabe sofrer alguma coisa por Deus.

Dizem muitos mesquinhos e tíbios: olhai que boa vida tem este homem: quão rico é, quão grande e poderoso, de que nada são os bens temporais, mas muito incertos e onerosos, pois nunca vive sem temor e cuidado quem os possui. Não consiste a felicidade do homem na abundância dos bens temporais; basta-lhe a mediania. O viver na terra é verdadeira miséria. Quanto mais espiritual quer ser o homem, mais amarga lhe será a vida presente, porque conhece melhor e mais claramente vê os defeitos da humana corrupção. Porque o comer, beber, velar, dormir, descansar, trabalhar e estar sujeito a todas as demais necessidades da natureza é tudo, na verdade, grande miséria e aflição para o homem espiritual que deseja estar isento disto e livre de todo pecado.

Por queres adiar tua resolução? Levanta-te, começa já e diz: agora é tempo de agir, agora é tempo de pelejar, agora é tempo próprio para me emendar. Quando estás atribulado e aflito, é tempo de merecer. Importa que passes por fogo e água, antes que chegue ao refrigério (Salmo 65,12). Se não te fizeres violência, não vencerás os vícios. Enquanto estamos neste frágil corpo não podemos estar sem pecado, nem viver sem enfado e dor.

Bem quiséramos descanso de toda miséria; mas como pelo pecado perdemos também a verdadeira felicidade. Por isso devemos ter paciência, e confiar na divina misericórdia, até que passe a iniquidade (Salmo 52,6), e a vida absorva esta mortalidade (2ª Coríntios 5,4).

Que serás de nós no fim, se já tão cedo somos tíbios? Ai de nós, se assim procuramos repouso, como se já estivéssemos em paz e segurança, quando nem sinal aparece em nossa vida de verdadeira santidade. Bem necessário nos fora que nos instruíssemos de novo, como bons noviços, nos bons costumes; talvez que assim houvesse esperança de alguma emenda futura e maior progresso espiritual.

Fonte: Tomás de Kempis

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