Contempla os salutares exemplos dos santos padres, nos quais brilhou a verdadeira perfeição religiosa, e verás quão pouco ou quase nada é o que fazemos. Ah! Que é a nossa vida em comparação com a deles? Os santos e amigos de Cristo serviram ao Senhor em fome e sede, em frio e nudez, em trabalho e fadiga, em vigílias e jejuns, em orações e santas meditações, em perseguições e muitos opróbrios.
Oh! Quantas e quão graves tribulações sofreram os apóstolos, os mártires, os confessores, as virgens e todos quantos quiseram seguir as pisadas de Cristo! Odiaram suas almas nesse mundo para possuí-las eternamente no outro. Oh! Que vida austera e mortificada levaram os santos padres no deserto! Que contínuas e graves tentações suportaram! Quantas vezes foram atormentados pelo inimigo! Quantas orações fervorosas ofereceram a Deus! Que rigorosas abstinências praticaram! Que zelo e fervor tiveram em seu adiantamento espiritual! Que guerra fizeram para subjulgar os vícios! Com que pura e reta intenção buscaram a Deus! Durante o dia trabalhavam e passavam as noites em orações ainda que trabalhando não interrompessem um momento a oração mental.
Todo o tempo empregavam utilmente; toda a hora lhes parecia breve convivida com Deus; e pela grande doçura das contemplações se esqueciam até da necessária refeição do corpo. Renunciavam a todas as riquezas, dignidades, honras, amigos e parentes; nada queriam do mundo; apenas tomavam o indispensável para a vida e só com pesar satisfaziam as exigências da natureza. Assim eram pobres nos bens terrenos, mas muito ricos de graças e virtudes. Exteriormente lhes faltava tudo; interiormente, porém, se deliciavam com graças e consolações divinas.
Ao mundo eram estranhos, mas íntimos e familiares amigos de Deus. A si mesmos tinham em conta de nada, e o mundo os desprezava; mas eram preciosos e queridos aos olhos de Deus. Mantinham-se na verdadeira humildade, viviam em singela obediência, andavam em caridade e paciência; assim cada dia faziam progresso na vida espiritual e mais a Deus agradavam. Esses foram dados por modelos a todos os religiosos, e mais nos devem estimular ao progresso espiritual, do que a multidão dos tíbios ao esmorecimento.
Ó tibieza e desleixo do nosso estado, que tão depressa declinamos do fervor primitivo, e já nos causa tédio o viver por tanta negligência e frouxidão! Oxalá em ti não entorpeça de todo o desejo de progredir nas virtudes, já que tantos modelos viste de perfeição!
Fonte: Tomás de Kempis
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