sexta-feira, 5 de junho de 2020

Um santo em meio à peste



São Carlos Borromeu, cardeal arcebispo de Milão, viveu numa época de grande corrupção na Igreja, exemplificada na frouxidão do clero ficando chocado com “a negligência, a ignorância e a flagrante imoralidade de muitos sacerdotes e religiosos”. Muitos sacerdotes sequer sabiam as fórmulas corretas da confissão e absolvição, e muitos outros levavam vidas escandalosas. As coisas andavam tão mal que um provérbio popular entre os camponeses expressava o desprezo com o qual era tratado o clero: “Se queres ir para o inferno, torna-te sacerdote”.

Em meio a essa lamentável situação, o Concílio de Trento mostrou-se o catalisador da grande Reforma Católica. Particularmente caras a Carlos foram a leitura e a aprovação do Decreto de Reforma Geral, com a sua insistência na simplicidade de vida entre cardeais e bispos. Em 26 de outubro de 1569, enquanto o arcebispo se ajoelhava perante o altar nas Vésperas, um pretenso assassino aproximou-se dele e disparou à queima-roupa. A vítima cambaleou, mas permaneceu ereta, sinalizando ao coro para prosseguir com o canto. As Vésperas continuaram. Terminada a oração, descobriram com assombro que a bala só havia passado de raspão e nem sequer perfurara a pele do arcebispo. Para os habitantes de Milão, a vida do arcebispo havia sido preservada de forma milagrosa. Mesmo tendo suportado muitos reveses em sua luta para reformar a Igreja, a maior provação de São Carlos ainda estava por vir. Em agosto de 1576, Milão foi afligida por uma epidemia.

Já acostumado aos rigores de uma vida mortificada, aderiu a privações ainda mais exigentes, oferecendo-se como vítima de sacrifício em expiação dos seus e dos pecados de seu rebanho sofrido. Nas poucas horas de descanso que se permitia, cochilava em tábuas descobertas ou ficava sentado em uma cadeira. Já acostumado a uma dieta exígua, reduziu-a a pão e água com poucos vegetais mais. Caminhava pelas ruas todos os dias para visitar os doentes e moribundos.

“Estou muito angustiado”, lamentava o arcebispo referindo-se à relutância de muitos sacerdotes em arriscar a vida para cuidar das famílias atingidas pela praga. Até alguns dos seus próprios companheiros fugiram e muitos dos que ficaram se recusaram a acompanhá-lo nas visitas aos lares infectados. Ante um medo como aquele, Carlos escreveu um apelo apaixonado aos sacerdotes de Milão: “Só temos uma vida, e devemos dedicá-la a Jesus Cristo e às almas, não como desejamos, mas no tempo e do modo que Deus quiser. Deixar de fazer isso, com a desculpa de que Deus não poderia nos substituir por outros mais capazes de trabalhar por sua glória, seria uma grande amostra de presunção e negligência em relação ao nosso dever de serviço a Deus. Isso não quer dizer que devais negligenciar os meios humanos, tais como profiláticos, remédios, médicos e tudo o que podeis usar para evitar a própria infecção, pois tais meios não se opõem de modo algum ao cumprimento da nossa obrigação.”

A advertência definitiva foi um chamado ao heroísmo da santidade: “Não sejais tão negligentes com vosso sacerdócio a ponto de preferirdes uma morte tardia a uma morte santa”. Com um líder tão santo e heroico, os sacerdotes começaram a ficar junto dele e dos milhares de milaneses doentes e moribundos. Surpreendentemente, nenhum dos companheiros do arcebispo contraiu a doença, e o único convento afetado foi um que permanecera indiferente, recusando-se a ajudar apesar das súplicas do arcebispo. Depois de dezesseis meses expiatórios, dominados pela praga e aparentemente intermináveis, a peste finalmente deixou a cidade em 1578. O número de mortos na cidade foi estimado em 17 mil, além dos 8 mil que faleceram na zona rural. Durante os poucos anos que lhe restaram depois do fim da praga, São Carlos Borromeu continuou a praticar o que pregava, inspirando a todos com sua vida de oração e devoção  abnegada. Morreu em paz na noite de 3 de novembro de 1584, desejoso do descanso merecido por seus trabalhos. O amor que havia inspirado era evidente pelo fluxo contínuo de milaneses que faziam fila na capela da catedral em que o seu corpo estava exposto e pelos milagres atribuídos à sua intercessão. Foi canonizado no Dia de Todos os Santos em 1610.

Fonte: Adaptado por este site de padrepauloricardo.org

Nenhum comentário:

Postar um comentário