Não é dificultoso desprezar as consolações humanas, quando gozamos das divinas. Grande coisa, porém, e mui meritória, é poder estar sem consolação, tanto divina quanto humana, sofrendo de boa mente o desamparo do coração, sem em nada buscar-se a si mesmo, nem atender ao seu próprio merecimento. Que maravilha será estares alegre e devoto, quando te assiste a graça! De todos é almejada esta hora. E mui suave andar, levado pela graça de Deus. E que maravilha não sentir a carga aquele que é sustentado pelo onipotente e acompanhado do guia supremo.
Gostamos de ter qualquer consolação, e é penoso ao homem despojar-se de si mesmo. O glorioso mártir São Lourenço venceu o mundo em união com seu pai espiritual, porque desprezou todos os atrativos do século e sofreu com paciência, por amor de Cristo, que o separassem do sumo pontífice São Xisto a quem ele muito amava! Assim, com o amor de Deus, ele subjugou o amor da criatura, e ao alívio humano preferiu o beneplácito divino. Daí aprende tu a deixar, às vezes, por amor a Deus, um parente ou amigo querido. Nem tanto te aflijas se te abandonar algum amigo, sabendo que todos, finalmente, nos havemos de separar uns dos outros.
Só com renhido e longo combate interior aprende o homem a dominar-se plenamente e pôr em Deus todo o seu afeto. Quando o homem confia em si, facilmente desliza nas consolações humanas. Mas o verdadeiro amigo de Cristo e fervoroso imitador de suas virtudes não se inclina às consolações nem busca tais doçuras sensíveis; antes, procura exercícios austeros e sofre por Cristo trabalhos penosos.
Quando, pois, Deus te mandar consolação espiritual, receba-a com ações de graças, mas lembra-te sempre que é mercê de Deus, e não merecimento teu. Com isto, porém, não te desvaneças, nem te entregues a excessiva alegria ou a vã presunção; sê antes mais humilde pelo dom recebido, mas prudente e timorato em tuas ações, pois passará aquela hora e voltará a tentação. Quando te for tirada a consolação, não desesperes logo; aguarda, pelo contrário, com humildade e paciência, a vista celestial; pois Deus é bastante poderoso para restituir-te maior graça e consolação. Isto não é novo nem estranho aos que são experientes nos caminhos de Deus; porque nos grandes santos e antigos profetas houve muitas vezes esta mudança.
Fonte: Tomás de Kempis
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