Como consequência a reflexão feita no artigo "Injustiças de Deus?", transcrevo aqui na íntegra a pregação do Frei Capuchinho Inácio
Cantalamessa – feita numa sexta-feira santa – para complementar o ponto de
vista abordado anteriormente:
“Alguém poderia objetar: mas a Bíblia também não está cheia
de histórias de violência? Deus mesmo não é chamado de “Senhor dos Exércitos”?
Não é atribuída a Ele a ordem de exterminar cidades inteiras? Não é Ele quem
decreta, na Lei mosaica, numerosos casos de pena de morte? Se tivessem dirigido
a Jesus, durante a sua vida, esta mesma objeção, Ele certamente teria
respondido o que respondeu sobre o divórcio: “Foi por causa da dureza do vosso
coração que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas no princípio não
foi assim” (Mateus 19,8). Também sobre a violência, “no princípio não foi
assim”. O primeiro capítulo do Gênesis mostra um mundo onde a violência não é
sequer pensável, nem dos seres humanos entre si, nem entre homens e animais.
Nem sequer para vingar a morte de Abel, e assim punir um assassino, é lícito
matar (conforme Gênesis 4, 15).
O genuíno pensamento de Deus é expresso pelo mandamento “Não
matarás”, e não pelas exceções abertas na Lei, que são concessões à “dureza do
coração” e dos costumes dos homens. A violência, depois do pecado, infelizmente
faz parte da vida; e o Antigo Testamento, que reflete a vida e deve servir à
vida, procura pelo menos, com a sua legislação e com a própria pena de morte,
canalizar e conter a violência para que ela não se degenere em arbítrio
pessoal. São Paulo fala de uma época caracterizada pela “tolerância” de Deus (Romanos
3, 25). Deus tolera a violência como tolera a poligamia, o divórcio e outras
coisas, mas educa o povo para um tempo em que o seu plano original possa ser
“recapitulado”, como para uma nova criação. Esse tempo chega com Jesus, que, na
montanha, proclama: “Ouvistes o que foi dito: olho por olho, dente por dente;
mas eu vos digo: não resistais aos malvados; se alguém vos bater na face
direita, oferecei também a outra… Ouvistes o que foi dito: amai o vosso próximo
e odiai o vosso inimigo; eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai
pelos que vos perseguem” (Mateus 5,38-39; 43-44).
O verdadeiro “sermão da montanha” que mudou o mundo, no
entanto, não é aquele que Jesus fez um dia sobre uma colina da Galileia, mas
aquele que Ele proclama agora, silenciosamente, na cruz. No Calvário, Ele
pronuncia um definitivo “não!” à violência, opondo a ela não apenas a
não-violência, mas o perdão, a bondade e o amor. Se ainda houver violência, ela
já não poderá, sequer remotamente, remontar a Deus e revestir-se da sua
autoridade. Fazer isto significa retroceder na ideia de Deus a estágios
primitivos e grosseiros, superados pela consciência religiosa e civil da
humanidade”.
Fonte: Jefferson Roger
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